quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sinais

Eu me encontrava em meio ao nada,
Estava em casa e não a reconhecia.
Agora estou mais perto
E mesmo assim nunca me senti tão longe,
Tão distante,
Tão perdida.
Não me acho em reflexos de olhos conhecidos,
Não reconheço essas faces cunhadas a tempo,
Não me reconheço.
Eu me absorvia em divagações estúpidas,
Eu, alma pequena, assaz adjetivada!
Nunca me senti tão vaga,
Nunca me senti tão nula,
Nunca me senti tão fria,
Nunca me senti...
Eu me extraviei no meio de algum caminho,
O qual nem ao menos sei aonde me conduziria,
Oxalá fora do abismo que sou eu mesma.

Matilda de Azevedo

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Especiarias

Você
faz-me arder
feito pimenta
pele canela
casaco para meu corpo
proteção são teus ombros
você
sabor doce
luxúria pura
beijo quente
essência de cravo
língua e papilas
você
faz de mim moradia
veludo camursa
cor cacau
e eu
baunilha.


Mike Rodrigues

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A viagem

Nessa serpente de pedra
Vou sibilando entre montanhas
Aos poucos a cidade diluída pelas árvores
E o azul se recorta tão forte contra o horizonte
Que lentamente me esqueço
Dos recortes cinza de concreto armado
Vou viajando com o vento
Passando por paisagens
Nas quais os campos bebem os rios
E a poeira é como uma manta ocre
Enterrando o passado e encobrindo o futuro.

Mike Rodrigues

sábado, 12 de novembro de 2011

Despertar

Hoje acordei vivendo demais,
Respirando em excesso,
Ou nem respirando at all?
Hoje acordei antes do dia,
Atormentado por pensamentos,
Antes que meu cérebro himself despertasse.
Hoje vivi ontem e me enterrei num futuro,
L’avenir quem sabe se vem,
Quisá nem ao menos ele há.
Hoje acordei, meus sentimentos em cheia,
Transbordando pela cama e saindo porta afora,
Arrastando quem passava sem aviso.
Acordei hoje e não sei quando dormirei,
Acho que meu pecado
Sempre foi
Sonhar de mais
E amar de menos.

(04/10/11)

Mike Rodrigues

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A árvore

Árvore solitária no meio do pátio
Prisão de concreto é teu triste estado
Senão o vento quem refresca tua copa?
E senão a chuva quem é que te molha?
Quando o outono, quem te vê enquanto desfolhas?
E quem recolhe tuas folhas?
Árvore solitária, cela de arames,
O homem come de teus frutos
E descansa em tua sombra.
O poeta descreve teu lamento
Em tuas irmãs mortas.

Mike Rodrigues

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Engenho

Moinho de vento
Leve-me leve
Nas tuas pás,
Nas tuas asas,
Na tua paz,
Pra minha casa.
Não aquela que chamei,
Que chamo
Ou chamarei,
Mas aquela junto a ti,
Aquela figurada.
Moinho de vento
De voo noturno,
Junto a ti farei meu ninho,
Minha morada.

Mike Rodrigues

sábado, 24 de setembro de 2011

Anteros

Abraçaste-me com tua noite inteira,
Ou foram tuas asas?
Teu veludo?
No calor do momento difundi-me por teus braços,
Mesclando-me à tua carne.
Minha mente a estudar teus relevos,
Embriagada em teu torpor violento.
Vi teus olhos, dois pontos,
Duas estrelas a me servir de guia.
Não, duas luas imensas,
Duas musas,
Tornando-me mais poeta
A cada noite que passa.

Mike Rodrigues

domingo, 11 de setembro de 2011

Meu povo viveu aqui
Nu feito fruta,
Vento livre em folha de copa.
Aqui ele cavou com os pés
A terra até criar raízes
E aqui meu povo descansava
Em último sono
E virava semente.
Esse chão que foi regado
Com lágrimas da minha gente,
Gotas de chuva
De Sol e de Lua.
Meu povo teve dos fins o mais triste:
Virou homem branco.

Mike Rodrigues

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

terça-feira, 6 de setembro de 2011

sábado, 27 de agosto de 2011

Imagens

Quando vejo teus olhos
Perco os meus
Em devaneios
És esporão
Ou flor de cardo
És cacho de lobélias
De abelhas és colmeia
Ou cachos encaracolados
Comida de pássaros
Abelharucos
És cor e vento
Neutro e veludo
Leve como sonhos
Toda tua existência
Em breves brisas
És tudo e infinito
És fruto exótico e proibido
Banana nua
Partenogênica
Em cacho e umbigo
Como Apis
Como ápice
Quando vejo teus olhos
Me confundo e m’equilibro.

(25/08/11)


Mike Rodrigues

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

São esses teus olhos
São aços frios
De navalhas são fios
Às vezes são lâmpadas
Filamentos incandescentes
Feito estrelas
São cadentes
Por eles t’adentro
Em teus espelhos
Me perco
M’entorpeço
São esses teus olhos
Causa de meus tormentos


Mike Rodrigues

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Praça


Corpos em trânsito,
Pensamentos estagnados,
A torrente do tempo arrastando vidas,
Imparcial, impiedosa.
No chão dessa cidade pequena
Pés são como raízes profundas...
Um baque alto rompe a calmaria vespertina,
Os pombos levantam voo em alvoroço.
No meio da praça central
Uma árvore frutífera tomba a vento.

Matilda de Azevedo

domingo, 31 de julho de 2011

À beira d’água

             A escuridão tem mil olhos
                 Acesos e famintos
                 E o vazio ecoa nas costas das árvores.
                 O corpo se molha mais que o espelho,
                 Lambido pela língua aveludada da noite espessa.
                 A carne se abrasa contra o breu soturno
                 Afugentando os sinais de inverno.
                 No fim do dia, à beira d’água,
                 Minha alma canta leve dentro do peito.

                 Mike Rodrigues

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A mesa

 A mesa de madeira a minha frente
 Me olha triste de ser mesa,
 Saudosa de ser árvore.
 Alguém sem rosto,
 Com rosto igual a todos,
 Apoia os cotovelos sobre seu tampo,
 Derruba migalhas em suas frestas.
 A mesa de madeira a minha frente
 Eu olho triste por ser mesa,
 Pois me lembra a um poeta.

 (20/06/11)

 Mike Rodrigues

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Primavera

Primavera fez-me visita
Numa madrugada insone d’inverno
E sua visagem de mistério
Fez brotar um sorriso de minha esterilidade.

As horas mudas no seio da noite,
Guardadas há séculos pelo olho satélite,
Transformaram todas minhas metáforas
Em grandes devaneios, loucuras.

Primavera adentrou minha janela
E com ela o frio de su’alma,
Beijou-me de leve por dentro
E fez pulsar em mim algo sôfrego.

A violenta saudade do que não conheço
Afoga-me em meus versos rasos,
A lucidez se apaga feito luz fraca
Tal qual vela por um vento gélido soprada.

Primavera desfez os nós de minhas tranças,
Despiu-me e me deitou em meu leito,
Com suas asas negras cobriu-me maternalmente
E fui o ovo do pássaro, por aquela noite ao menos.

(25/06/11)

Mike Rodrigues

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Café

O aroma agradável do café m’embriaga as narinas,
O vapor quente que sobe m’embassa as lentes,
O gosto doce e forte m’entorpece as papilas...

O tédio dessa cidade miúda é quase palpável
Refletido nos rostos de todos seus cidadãos.
Copas robustas bailam regidas a vento.
A calmaria desse recanto pacato é quase estúpida
Reproduzida nas máscaras de todos seus habitantes.
Pássaros canoros silenciam-se a ferro.

O café esfria na mesa
Enquanto o poeta escreve um poema.

 (20/06/11)

Mike Rodrigues

terça-feira, 21 de junho de 2011

Miragem

Tua espada
Tua espuma
Tua pele
Meu casaco
Tua mente
A imagino
Quando preso
Em teu braços


Tua brisa
Teu arfar
O meu vento
Tua vida
A compartilho
Quando em mim
Respiras lento

Tua boca
Tua saliva
Teu umbigo
Meu oásis
Tua língua
A decifro
Quando dentro
De teus enlaces


Tua escultura
Teus músculos
Minhas muralhas
Teu alfanje
Rijo e férreo
Quando rubro
Ardendo em brasas

Teu ventre
Teu relevo
Teus cabelos
Meu veludo
Tua alma
Leve e quente
Quando em ti
Encontro o mundo.



Mike Rodrigues

domingo, 19 de junho de 2011

Versos rubros

T'encontro doce ser
E em ti derramo o vento
Pr'amenizar o teu furor,
O calor de teus desertos;
Acalmar teus sóis insanos
Qu'a mim abrasam a carne,
Essa loucura, teus delírios
Difundindo por minha pele;
Beber por tua boca
sopro de tua energia em flor,
gole de teu cerne, teu amor,
tua vida e meu tormento.

Mike Rodrigues

terça-feira, 14 de junho de 2011

“Breve é a loucura, longo o arrependimento.
Friedrich Schiller

Contra a escuridão de meu quarto
Meu corpo se incandesce,
Ruboriza-se feito brasa,
O suor se calefazendo sobre a carne.
Tudo se une lento e sôfrego,
Num ritmo ditado por dois maestros.
Tudo se mistura feito fluido,
Ao mesmo tempo em que se faz rijo
Feito músculo.
Lábios, pernas, nádegas, tórax, mãos, línguas...
Anatomias tal quais pinturas,
Belas e obscenamente perfeitas.
Representações idealizadas
De movimentos simulados.


(17/02/11)


Mike Rodrigues

sábado, 4 de junho de 2011

Flores

                                                                      Foto por: Mike Rodrigues

Cortei todas as flores do canteiro
Porque eram mais felizes do que eu
Deitei-as em minha cama num outeiro
Como que par'um último adeus.

Não permitirei que virem frutos
Assim como eu nunca frutifiquei,
Pois as sementes de meu ventre em luto
São gametas qu'eu mesmo inventei.

As flores mais felizes do jardim
Agora jazem dentro do quarto meu,
E comigo d'agora até o fim
são o qu'o silêncio nunca preencheu.

As flores mais bonitas do jardim
Agora coroam alguém que morreu,
Deitadas eternamente junt'a mim
Adornam o túmulo que é meu.

(02/06/11)

Mike Rodrigues

terça-feira, 31 de maio de 2011

Flor de maio


Flor de maio chega com o frio,
Onde vais vestida em seda?
Flor de maio tão bela
E sem espinhos,
O que será de ti sem quem te proteja?
Flor de maio pele delicada,
O que te fará abrigo de madrugada?
Quando junto da noite
Cai forte a geada.
Flor de maio perdeste teu viço,
Descoloriste e murchaste;
Sem os beijos dos colibris
teu fim fora mortiço.

Mike Rodrigues

segunda-feira, 30 de maio de 2011

É preciso

É preciso manchar o papel
Para escrever o poema,
É preciso aniquilar as flores
Para extrair a essência.
É preciso digerir o fruto
Para nutrir a carne,
É preciso quebrar a semente
Para crescer a árvore,
É preciso rachar o ovo
Para nascer o pássaro.
É preciso queimar a lenha
Para aquecer o corpo,
É preciso um outro
Para ouriçar a pele,
É preciso sexo
Para gerar a vida.

Mike Rodrigues

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Basta apenas

De teus lábios basta um gole
Para afogar-me num oceano,
Basta resquícios de teu sorriso
Para iluminar-me mais que mil sóis,
Apenas um segundo de teu dia
E por séculos eu me entusiasmaria.

De tua boca basta uma palavra
Para que eu compreenda todas as línguas,
Basta migalhas de tua atenção
Para que eu me sinta o centro do Universo,
Apenas um fonema por ti proferido
E a mais bela sinfonia eu escutaria.

Basta apenas pouco de ti,
Desde que estejas perto de mim.

Mike Rodrigues

sábado, 14 de maio de 2011

Paper box


Put me inside your paper box
And shake me up until
My body separate from my soul.
Then let me be free
To see this world from above (and beyond),
Let my eyes grow into full moons
From planets with a thousand rings,
So you can watch some alien aurora borealis,
As if they were giant TV screens.
Let's wait until the time slow down
And the night fall on our heads
So I can shine all the iridescent colors
And we can be white even in the dark.

Yuri Mushrock

Ela

Alice incógnita,
Teus olhos super massivos,
Circulados de excessiva matéria escura,
Atraem-me mais que um buraco negro
E escondem bem fundo teus segredos,
Enterrados na lua dum planeta sem girassóis.
Teu cabelo negro, um véu,
Aumentando teus mistérios,
Esses teus mais valiosos encantos.
E nem ao menos posso decifrar-te o sorriso,
Pois me confundem teus sentimentos complexos,
Impossível ler teu rosto por suas máscaras mudas.

Mike Rodrigues

40 anos de leite

                                                            Montagem por Mike Rodrigues


Quem não quer viver o sonho
de se alimentar anos a fio sem esforço,
Parasitando gordas tetas de sagradas vacas indianas?
Ter o Sol batendo leve contra o corpo,
embalado pelo andar das largas ancas parideiras.
A grama macia a roçar de quando em vez o rosto.
Talvez até mesmo aprender a ruminar a vida,
degustá-la incontáveis vezes,
regurgitá-la e regozijá-la.
Ah! tão bom seria o infindável ócio bovino,
engordar e produzir metano,
esperar mansamente pelo abate futuro.


Mike Rodrigues

sábado, 30 de abril de 2011

Aquele

É aquele que nasce
com os pés presos ao chão
o que mais longe e mais rápido caminha.
É o que olhos não tem
o que usa dos meus
e melhor e mais claro enxerga.
Aquele que não tem mãos
sente mais afundo as coisas que toca
e, apesar de não possuir asas,
faz voos altos e supersônicos.
É o que não tem boca
o que derrama as mais intensas verdades
e lhe faz os mais belos elogios.
Ele tira seu chapéu
para lhe cumprimentar na sua viagem de partida.


Yuri Mushrock

terça-feira, 26 de abril de 2011

Partida

Noite escura,
olho alto,
rumo rápido
pr'onde sopre o vento.
Voo logo,
vou ligeiro,
sorrateiro no encalço do acaso.
Vago vago
sem destino certo.
Paisagens várias,
as engulo enquanto as vejo,
tragando tudo na ida
para na volta trazê-las comigo.

(19/04/11)

Mike Rodrigues

terça-feira, 19 de abril de 2011

O guia

O inacreditável sábio,
Que transforma podridão em magia,
Abrir-me faz os olhos e a mente,
Deitar-me faz em verdes pastos,
Guia-me mansamente pela relva tranquila.
Meus pés descalços sugam a umidade dos tapetes de musgos,
As árvores me observam penetrar seus domínios,
Enquanto criaturas travessas brincam embaixo de guarda-chuvas azuis,
Suas músicas lúdicas a me conduzir floresta adentro.
Suas risadas a me acalentar o corpo e a alma.
Não sou parte nem partícula,
Sou todo, sou tudo, sou todos,
Sou vida.

(18/04/11)

Yuri Mushrock

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Causa Mortis: Quantum

Sou apenas um homem,
talvez seja dois em paralelo.
Ao puxar o gatilho divido
em duas possibilidades o Universo.
A probabilidade é igualitária,
a rotação horária ou anti-horária de uma partícula.
Com essa me salva e repito,
sem nunca me atingir o tiro.
Com aquela faleço, mas lembre-se
que em alguma realidade ainda vivo.
Assim, sigo vivendo e morrendo para sempre,
me estendendo além do infinito.


Yuri Mushrock