domingo, 30 de janeiro de 2011

Thalassa

                                                                         Foto por: Marina Portella


(Poema para Marina Portella)

Coberta de sal e espuma,
Nascida das ondas do mar.
Roubaste o dourado do Sol
E escondeste-o em tua carne bronzeada,
Para embriagar os Apolos
E enciumar as Afrodites.
Teus olhos escondem mistérios,
Mais profundos que o abissal,
Mais distantes que o horizonte,
São duas pérolas negras,
Hipnotizando mais que canto de sereia,
Trazendo na ressaca, uma amostra de tua beleza.
Tu não precisas estar vestida de conchas,
Nem adornada de águas marinhas,
Pois tu és, antes de tudo, Marina.


(28/01/11)


Mike Rodrigues

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Insopitável

O relógio na estante me ensurdece
Com seu labor diário e inevitável.
A meia luz advinda da rua
Projeta figuras absurdas contra palidez da parede,
Com as quais, às vezes, me confundo.
Nas quais, frequentemente, te vejo.
O aconchego da quietude chega a doer minha cabeça,
A roer meus alicerces,
A moer meus ossos.
E o tempo fluindo dolorosamente,
Martelando cada segundo contra minha mente exausta,
O relógio na estante me emudecendo,
Fixando rugas e sulcos à minha face.
Meu quarto se projeta demasiadamente cúbico à minha volta,
Quase um cárcere,
Sentenciando-me às suas so(m)bras.
Meus olhos recusando-se ao repouso,
Perdidos na confusão desse vazio,
Transformando o ócio em poesia.

25/01/11

Mike Rodrigues

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Loxosceles similis

No calor dessa noite eu me derreto,
Me fundo às sombras e à esterilidade
Do meu quarto.
No mais intimo de minha epiderme,
Ardem sabores que seus ouvidos não ouvem,
Exalam-se toques que seus olhos não vêem,
Misturam-se sons que sua língua não sente.
Abraçado estou pela ausência,
Por essa solidão que chamo (ilusoriamente)
De privacidade.
Costuro paciente o tempo
Com fios de saliva,
Tramando uma teia precisa e inevitável,
Esperando por alguma alma frágil
E desavisada
Alimentar-me com aquilo que você nunca teve.

(25/01/11)


Mike Rodrigues

sábado, 22 de janeiro de 2011

Cadeado

A verdade está parda,
Amarrotada e empoeirada até,
Mas ainda lá está,
No fundo de alguma gaveta,
Talvez, quem sabe, na minha cabeça.
É essa ausência que ecoa nos meus ouvidos,
Trazendo saudades de noites de chuva,
Quando eu deveria envergonhar-me de ignorar o presente.
E todos meus braços,
Os mesmos com os quais
Um dia tentei abraçar todo o mundo,
Não podem sustentar o peso dessa lacuna.
Há grilhões, algemas, pregos e correntes.
São seus lábios, seu sorriso, sua pele
E, sobretudo, essas memórias


(21/01/11)


Mike Rodrigues

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ciência exata

E pensar que o tempo que tivemos,
Nem ao menos pode ser mesurado
Por datação de carbono,
Tal foi o período breve que sobrevivemos.
Tão grande foi a velocidade com a qual nos decaímos,
E nem ao menos ouro nos tornamos,
Decepcionando todos os alquimistas.
Então, a ciência ocupou o lugar da magia:
Flores tornaram-se apenas conjuntos de polígonos,
Tal qual origamis de celulose,
Estrelas tornaram-se astros a anos-luz de distância,
A Lua tornou-se satélite apenas,
Tudo é agora não mais que um amontoado
De subpartículas atômicas e energia.
Sobraram apenas ondas sonoras,
Não há mais música.
Fotografias são apenas imagens
Formadas por sombras de nitrato de prata.
Poemas apenas rastros de grafite.
E cá estou,
Asfixiado por essa grande ironia,
Que transformou meu músculo cardíaco,
Em um coração romântico.

(19/01/11)

Mike Rodrigues

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Comunhão

Decidi devorar-te numa só mordida
E fazer-te morador de minhas entranhas;
Apertar-te tão forte a carne contra o corpo
A ponto de difundir-te pelas veias;
Colocar-te dentro de meu útero e guardar-te
Como semente nunca germinada, mas viva;
Debulhar-te pérola a pérola todas as memórias
E guardá-las em minha matéria cinzenta como minhas;
Derramar-te pleno em minha saliva,
Tornar-te meu sangue, minha seiva, minha vida.


(17/01/11)

Mike Rodrigues

domingo, 16 de janeiro de 2011

Tantálico

                                    Aproveite! - linha, grafite, pincel atômico e guardanapo

Vomito diamantes,
E em meio ao meu refluxo vivem os vermes,
Vivem do meu refluxo.
Estapeados constantemente por sons e riscos.

A lua fita a todos,
Como um olho lento.
A lua pisca de mês em mês.

E cá estou eu,
Estamos todos.
Vendo minhas palavras para o sustento do corpo.
Lêem minha sorte nas palmas de minhas mãos,
Linhas que rabisquei com as pontas das unhas.
E cá estamos todos,
Estou eu.

A lua fria orbita tácita,
Abutre paciente,
Espera por nossa sina.

Vomito pérolas
Para o sustento dos porcos,
Que ignorando o seu redor
Chafurdam-se na comida.


(15/05/10)
Matilda de Azevedo

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Último Poema

Engraçado, não há graça no que sinto,
E não há nada para que eu escreva.
Acho que solidão é assim: asfixia,
Bloqueia, reprime...
É como força da gravidade de buraco negro,
Esmaga os ossos, destrói até cometas,
Não deixa escapar nem luz.
Cola o rosto da gente contra a poeira.

Engraçado, eu que tive a graça de mil poemas,
Não consigo nem pronunciar-te palavras,
Mesmo que sem sentido,
Ou talvez estejamos apenas surdos.
Talvez estejamos apenas dormindo,
Mesmo que eternamente,
Perdidos dentro de nós mesmo,
Dentro de eufemismos e metáforas.

Engraçado, esse é, quiçá um epitáfio,
De uma bela e distante outrora.
Haverá outros que escrevam
Essa história semi-contada,
Com outros nomes e outras faces.
Acho que simplesmente dê certo
Com outros a(u)tores.

Engraçado, já não tenho as iluminações
Que belos olhos me proporcionavam.
Já não tenho falanges que redijam
Ou músculos que soltem fonemas.
Já não tenho inspiração para mais um,
Mesmo que último,
Poema.


(11/01/11)


Mike Rodrigues

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A louca

Aquela mulher de escarlate na boca
Berra.
Arranha, arranca
Com suas unhas rubras, vívidas.
Cega ela vaga,
Sem destino.
Masca com voracidade um chiclete verde,
Tão verde que machuca.
Dele suga todos os nutrientes que precisa.
O que mais me assusta
É ela nunca cuspir a goma.

Matilda de Azevedo